Reunião Preparatória no Rio define comitê executivo

Relato da Reunião Preparatória do Fórum de Mídia Livre no Rio de Janeiro, ocorrida em 04 de abril de 2008 na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), com a participação de 32 pessoas. Autor do relato: Maurício Thuswohl.

As discussões se iniciaram com uma apresentação feita pelo diretor-geral da Carta Maior, Joaquim Palhares, que fez um resumo do processo de criação do movimento e das duas reuniões do Fórum de Mídia Livre (FML) até então realizadas, nas cidades de São Paulo e Porto Alegre.

Palhares falou do respeito à diversidade e pluralidade que norteia o movimento, e da discussão travada nas duas primeiras reuniões em torno de conceitos como "mídia independente", "mídia de esquerda" e "mídia livre". Ressaltou, no entanto, que todos os envolvidos no FML buscam um mesmo rumo, que é construir uma mídia realmente livre no Brasil.

Essa construção, segundo Palhares, passa pela democratização do acesso aos recursos públicos de publicidade que são distribuídos aos veículos de mídia no Brasil. Estes recursos não devem permanecer concentrados, como o são hoje, em grandes grupos (Globo, Folha, Estadão, Terra, etc), mas repartidos entre outros tipos e manifestações de produção de mídia. Atualmente, a distribuição do dinheiro público para a mídia brasileira obedece à lógica do mercado. Apenas o Sistema Globo detém 55% das verbas públicas destinadas à publicidade no Brasil.

O foco do movimento FML, disse Palhares, é exigir das autoridades a criação de um sistema que permita a democratização na distribuição das verbas públicas de publicidade. É preciso saber o que fazer para que TODOS os produtores, de TODOS OS TIPOS de mídia, possam ter acesso às verbas de publicidade.

Um segundo foco é discutir o papel que tem a universidade na formação dos produtores de mídia. São nos bancos das faculdades de Comunicação Social do Brasil, segundo Palhares, que estão sendo criados os profissionais que, mais tarde, acabam por servir às poucas famílias que controlam a grande mídia no país e a atuar contra os verdadeiros interesses do povo brasileiro.

Palhares finalizou sua apresentação falando das próximas reuniões agendadas do FML, em Belém, Fortaleza, Recife, Aracaju, Salvador, Brasília e Belo Horizonte. Falou também da realização do 1º Encontro Nacional do FML, a se realizar na Universidade Federal do Rio de Janeiro nos dias 17 e 18 de maio. Em seguida, ele entregou aos presentes um esboço do Manifesto Mídia Livre, fruto das discussões travadas em São Paulo e em Porto Alegre, com a contribuição virtual de alguns companheiros do Rio de Janeiro.

O debate começou com a diretora da Escola de Comunicação da UFRJ, Ivana Bentes. Ela disse que o FML não deve ficar fechado numa idéia corporativa de jornalismo, e sim pensar numa mídia mais ampla. Disse que a discussão sobre as verbas públicas distribuídas pelo Estado é fundamental, mas que há várias iniciativas que não dependem do Estado. Deve-se pensar também em buscar e fortalecer outras maneiras de organização de mídia, como coletivos, associações comunitárias etc. Ivana falou que existe uma distância muito grande entre a universidade e alguns órgãos representativos como, por exemplo, os sindicatos de jornalistas. Isso por conta de uma recusa dos sindicatos de pensarem as novas configurações do campo, com a presença significativa de não jornalistas, de precários e free lancers.

Bárbara Szaniecki, que faz parte do coletivo que produz há cinco anos a Revista Global, concordou com as palavras de Ivana e contou como a revista conseguiu verba nesse período. Disse que é preciso lutar por uma maior transparência no trato das verbas publicitárias. Falou da necessidade de criação de um portal que possa reunir todas as revistas alternativas.

Sandro Vieira, membro do movimento socioambiental na região Central Fluminense, afirmou que a discussão socioambiental hoje depende de uma mídia livre.

Carlos Moreira, coordenador da Rede 3Setor na internet, manifestou seu apoio à iniciativa do FML e disse esperar contribuir para a discussão.

Álvaro Neiva, militante do Coletivo InterVozes e membro da setorial de comunicação e cultura do PSOL, afirmou que quer conhecer e entender melhor o movimento.

Gabi, do Circo Voador, disse que convive diariamente com o poder da mídia, tanto positivamente quanto negativamente. Ela busca caminhos de mídia alternativa e, por isso, quer conhecer melhor o movimento FML.

Caetano Ruas, do Coletivo Cultura Digital (criado pelo Ministério da Cultura), participa de uma parceria com o Circo Voador e também quer conhecer o movimento e saber como contribuir.

Evandro Vieira Ouriques, professor da Escola de Comunicação da UFRJ falou da contribuição à questão da mídia livre feita pelo Núcleo de Estudos de Comunicação e Consciência-NETCCON, por ele coordenado, dedicado a contribuir para um salto de qualidade no ensino do jornalismo e da comunicação, inclusive através de disciplinas que criou: Comunicação, Construção de Estados Mentais e Não-violência, e Jornalismo de Políticas Públicas Sociais, esta com a ANDI. Evandro afirmou que o FML deve ter uma compreensão ampla do que é a mídia e a comunicação, defende a regulação da distribuição das verbas públicas publicitárias porém para ele é decisivo ajudar de modo que jornalistas, comunicadores e coletivos de mídia e comunicação sejam comunicadores-cidadãos, com a mente (fluxo de pensamentos, perceptos e afetos) liberta do regime da servidão, como nas idéias de que as instituições seriam monolíticas e que a referência para a luta política seria a própria luta.

Adriano Belisário, estudante de Jornalismo da UFRJ, falou da necessidade de incluir temas como o cineclubismo e a comunicação comunitária nos temas do FML.

Gustavo Barreto, que faz parte de redes como Consciência.Net e Fazendo Media, falou sobre a realização da Oficina de Mídia Livre que criou em sua universidade e do pouco interesse dos novos alunos de comunicação por ela, ponderando no entanto que muitos jovens são adeptos dos conceitos fundamentais da mídia livre. Falou das redes espalhadas pelo Brasil (Jornalistas Populares, InterVozes, etc) e se ofereceu para ajudar na organização do Encontro Nacional do FML no Rio de Janeiro.

Sérgio, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e secretário de redação do Monitor Mercantil, disse que o jornal diário onde trabalha é ligado ao mercado financeiro, mas tem uma visão alternativa no sentido de fazer com que o jornalista de economia adote um discurso mais simples e de fácil entendimento para 95% da população que não entende o "economês" difundido pela grande imprensa. Disse que a imprensa no Brasil nunca esteve tão ideologizada e que os grandes veículos demonstram uma ira conservadora. Falou da importância de se trocar experiências e manter a pluralidade do movimento FML.

Juliana Oliveira, assessora de imprensa da Editora Vozes e colaboradora de jornais alternativos, falou da idéia de se construir uma comunicação para além do corporativismo e de se formar jornalistas com uma função social mais ativa. Disse que o FML vem de encontro à emergência de uma comunicação livre no país.

Renata Fernandes e João, jornalistas do Sindicato dos Professores (Sinpro) e estudantes da Faculdade Hélio Alonso (Facha), disseram participar da reunião também como consumidores de mídia livre. Falaram da necessidade de ampliar o alcance dos veículos de mídia livre no Brasil.

Rodrigo Murtinho, pesquisador do Instituto de Comunicação da Fiocruz e membro do InterVozes, manifestou seu apoio ao movimento FML, o qual espera conhecer melhor.

Oona Castro, integrante dos coletivos InterVozes e Overmundo, falou da experiência de criação do jornal Brasil de Fato e na possibilidade da internet (blogs, links etc) multiplicar a propagação da comunicação livre. Disse que reivindicar a criação de um sistema público de comunicação e de uma melhor distribuição não é esperar nada do Estado, mas sim exigir um direito. Oona avaliou que a pulverização da produção de comunicação é mais importante do que tentar igualar, em termos de escala, a distribuição de Globo, Folha, etc.

Marcos Dantas, professor do Departamento de Comunicação da PUC-RJ, disse entender que mídia livre é uma mídia livre do mercado, que tenta romper com um monopólio de comunicação que existe, se sustenta e se reproduz com base numa ideologia mercantil e produz um tipo de noticiário e um tipo de cultura para assegurar a hegemonia de uma economia de mercado. Disse que o surgimento de novas tecnologias (internet, etc) tem permitido a produção de informações livres da lógica mercantil, mas que essa encontra muitas dificuldades de sobrevivência, sobretudo em termos de recursos financeiros. Essa nova produção, segundo Dantas, nem sempre é feita sobre o senso estrito do termo jornalismo, gerando uma lógica não-profissional de produção de informação e cultura. Disse que o FML quer uma gestão republicana dos recursos, o que não é praticado hoje pelo Estado. Falou também sobre o PL 29, que tramita no Congresso, e vai estabelecer a porcentagem da produção de conteúdo nacional na tevê fechada brasileira.

Teresa Fazolo, jornalista de formação, disse que, como cidadã, acha importante participar do processo de discussões do FML e espera contribuir.

Zilda Ferreira, que trabalha com imprensa ambiental há 20 anos, alerta para o perigo do neoconservacionismo e da mídia ambiental (que não é plural). Hoje, segundo ela, todo mundo é ambientalista, inclusive a direita. Falou do manifesto feito em 2003 para pedir verbas para a mídia alternativa e que foi então ignorado por Ricardo Kotscho. Disse que o futuro da dominação da mídia vai ser construído nos próximos anos em cima do jornalismo ambiental.

Rodrigo Brandão, jornalista do Sindicato dos Trabalhadores da UFF e colaborador do Brasil de Fato, falou da importância de se democratizar as verbas publicitárias, mas ressaltou a importância de se procurar as organizações dos trabalhadores como a CUT, a Conlutas, a Federação dos Petroleiros, etc, e os partidos como PT, PCdoB, PSOL, PSTU para que estes ajudem no fortalecimento da mídia livre no país. Disse que é possível buscar essa ajuda sem comprometer a independência da produção das informações, apesar dos riscos nesse sentido.

Nestor, jornalista do Brasil de Fato e da Rede Nacional dos Jornalistas Populares, lembrou os esforços feitos pela criação do jornal em 2003 e da posterior desmobilização dos jornalistas envolvidos. Falou das dificuldades financeiras enfrentadas pelos que desejam atuar como militantes/jornalistas e da dificuldade dos veículos da mídia alternativa em pagar salários dignos para os profissionais desse campo. Disse que o espírito de militância, da luta pelo socialismo, deve preceder o próprio espírito jornalístico.

Jorge Freitas, do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro, manifestou o interesse da entidade pelas discussões do FML.

Carlos Pitombeira, presidente do Instituto de Pesquisa da Imprensa Alternativa do Rio de Janeiro, falou na possibilidade de analisar de um outro ponto de vista a questão da mídia alternativa. Falou da necessidade de se criar mecanismos de formação para profissionais da mídia eletrônica, sobretudo das rádios comunitárias. Disse que é preciso dar uma identidade profissional às pessoas que praticam a mídia alternativa, mas não são jornalistas, e pediu a criação da carreira de técnico de comunicação comunitária.

Arthur William, membro da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social, se disse feliz por estar numa discussão com tantas vertentes da comunicação alternativa e falou da necessidade de se unificar as ações. Convidou a todos a participar do Encontro Nacional dos Estudantes de Comunicação (Enecom), que acontecerá em julho, provavelmente na UFF (Niterói).

K2, rapper e membro do grupo cultural Clam (Consciência, Liberdade e Atitude de Movimento), afirmou que o movimento hip-hop utiliza e apóia o desenvolvimento das mídias livres, do software livre e dos pontos de cultura.

João Carlos Fonseca, engenheiro e jornalista, elogiou o discurso ordenado e focado do FML. Foi editor de uma pequena revista durante 33 anos e afirmou que a mídia está mudando imensamente. Vivemos, no seu entender, no limiar de algo novo. Falou da influência das redes de televisões globais (CNN, TV5, etc) e sobre o PL 29.

Conrado, jornalista e professor de inglês, faz parte do Núcleo de Comunicação e Cultura do PSOL em Niterói e afirmou querer conhecer melhor o FML.

Ilza Araújo, diretora do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro e professora de Comunicação Social, falou da importância da discussão sobre a criação de uma mídia livre e da participação do ser humano e do diálogo nesse processo.

Beatriz Bissio, que já dirigiu publicações históricas como os Cadernos do Terceiro Mundo, Revista do Mercosul e Ecologia & Desenvolvimento, falou como as dificuldades financeiras e de obtenção de publicidade levaram ao fechamento dessas iniciativas e à sua posterior opção por se dedicar mais à vida acadêmica, fazendo doutorado sobre o Islã. Beatriz disse que está abraçando o projeto de digitalizar toda a memória de 30 anos dos Cadernos do Terceiro Mundo, que circularam de 1974 a 2005.

Maurício Thuswohl, jornalista da Carta Maior, afirmou que percebe uma mudança de qualidade na relação do público brasileiro com o império da mídia no país e com a fábrica de formação de um pensamento único. Usou o exemplo do segundo turno das eleições presidenciais, onde a imprensa alternativa conseguiu evitar que os grandes veículos definissem a disputa entre Alckmin e Lula. Disse que uma pesquisa da Associação Nacional de Jornais (ANJ) já aponta queda de vendas em alguns grandes veículos. Thuswohl falou que os veículos de mídia livre existentes devem unir forças para exigir seus direitos no que se refere à repartição das verbas públicas. Citou também a importância de proporcionar aos jornalistas que saem das faculdades a oportunidade de conseguir trabalho em outros locais que não os veículos da grande imprensa.

Maria da Conceição, professora da Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec), falou da importância da comunicação na formação dos alunos e opinou que a produção da comunicação deve ser feita por jornalistas formados.

Após essas considerações iniciais, Joaquim Palhares convidou os presentes a criar um comitê-executivo de trabalho e a agendar uma segunda reunião no Rio de Janeiro para sistematizar as contribuições ao Manifesto Mídia Livre, que será adotado de forma oficial durante o encontro nacional do FML em maio. Palhares ressaltou a convergência nas opiniões de todos quanto à necessidade de se transformar a mídia no Brasil e afirmou que, sem a democratização de acesso as verbas públicas de publicidade, o movimento FML não chegará a lugar nenhum.

Na segunda rodada de intervenções, Ivana Bentes afirmou que a participação do Estado é importante, mas que não se deve demonizar o mercado, e sim criar novos mercados para a mídia e os estudantes que saem das escolas de Comunicação, e que só tem a mídia tradicional como referência de atuação, seja como mercado, seja como proposta política. Nesse sentido, sublinhou a distância dos cursos de Comunicação do ativismo, das novas linguagens e mídias e a necessidade dessa re-configuração do campo da comunicação, para os não-profissionais, onde é possível não apenas entrar no mercado existente, mas criar mercados, criar ocupações novas, novas formas de entender e fazer mídia. Também enfatizou que a aposta da esquerda apenas no Estado, como promotor, provedor, financiador da mídia livre é um muito redutor das possibilidades hoje da própria sociedade fazer mídia, criar mercados e se organizar, para além do Estado.

Beatriz Bissio afirmou que a distribuição das verbas do Estado é fundamental, pois muitas vezes o anunciante privado se orienta pela publicidade pública para depois decidir a quais veículos destinar suas próprias verbas. Citou também as mídias eletrônicas e o fim do período de concessão da TV Globo.

Marcos Dantas disse que não se deve fazer uma clivagem entre as verbas privadas e públicas, e que estas últimas devem ser distribuídas a partir de critérios públicos.

Gustavo Barreto disse que o foco principal do movimento FML deve ser a comunicação como um direito humano. Usou o exemplo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) como iniciativa para o fortalecimento do setor de saúde e disse que o setor de comunicação social nunca promoveu algo semelhante no Brasil.

Carlos Moreira indagou sobre a intenção, manifestada por parte da direção do PT, de se criar um grande jornal e um grande portal de esquerda. Chamou a atenção de todos para a diferença crucial entre o que é estatal e o que é público e afirmou que o FML deve exigir verbas púbicas, que nada tem a ver com este ou aquele governo. Propôs a criação de um fundo público de comunicação para auxiliar na manutenção dos veículos de mídia livre.

Em sua fala de encerramento, Joaquim Palhares lembrou que no Brasil não existe uma lei que regulamente os critérios de distribuição das verbas públicas para efeitos de publicidade do Estado, aí englobadas todas as alternativas, mesmo as empresas estatais ou mistas. Disse que a tarefa das pessoas que compõem o FML deve ser lutar para que surja uma política pública perene, que vá além do atual governo, para definir a distribuição dessas verbas públicas. Disse que, em relação a esta luta, nunca houve no Brasil um movimento com a abrangência nacional como o FML.

Em seguida, os presentes definiram a composição do comitê-executivo, que dará seqüência aos trabalhos do FML no Rio de Janeiro.

Relato concluído por Maurício Thuswohl em 10 de abril de 2008.

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